Colocando as coisas em perspectiva. – Parte 1


© 2007 Musée du Louvre / Angéle Dequier
FRA ANGELICO
A Coroação da Virgem

Um dos elementos vitais da Pintura Clássica é a Perspectiva, pois é através dela que os pintores ordenam as imagens criando a ilusão de profundidade. Foi na alta Renascença, na época de Michelangelo e Leonardo Da Vinci, que a perspectiva matemática foi desenvolvida e teorizada pelos arquitetos e pintores italianos, chegando à perfeição. Porém, como toda grande teoria, ela não surgiu da noite para o dia, mas foi desenvolvida ao longo de décadas por toda a Europa que saía da Idade Média.

Um dos primeiros pintores a fazer uso dos conhecimentos sobre a Perspectiva foi o Frade italiano conhecido como Fra Angelico. No retábulo “A Coroação da Virgem” (um retábulo é um suporte em madeira para as pinturas destinadas aos altares das igrejas) o pintor utilizou a Perspectiva para organizar o cortejo celeste que recebe a Virgem Maria após sua ascensão aos céus. O retábulo foi feito entre 1430 e 1432 sob encomenda de uma rica família de Florença que queria presentear uma igreja local. Tão rica que para a pintura escolheram a cor mais cara da época, o azul de lápis-lazúli, além do ouro para as auréolas e coroas dos santos e anjos.

O tema escolhido não está na Bíblia, mas sim em um dos livros mais famosos e lidos da época: “A Legenda Áurea” de Jacques Voragine. O autor se inspirou em várias fontes, como nos evangelhos apócrifos, para criar sua obra sobre a vida dos Santos. Sobre o episódio da Ascensão da Virgem, Voragine nos conta que ao chegar aos céus a Virgem Maria foi recebida por um cortejo de anjos e santos que entoavam cânticos de alegria, e em seguida ela foi coroada a Rainha dos Céus por seu filho Jesus Cristo. 

Agora, vamos ver como Fra Angelico usou a perspectiva para dar forma a esse episódio?



Fra Angelico utiliza nove degraus de mármore de cores e padrões variados que levam nosso olhar em direção ao topo, onde em um trono dourado, a Virgem é coroada por Jesus. A virgem recebe a coroa, ajoelhada e como os braços cruzados sobre o coração, que indicam a posição de humildade.



Ao redor do trono Fra Angelico dispôs a corte celeste, onde podemos reconhecer alguns dos Santos através de seus atributos. Por exemplo, no canto esquerdo em primeiro plano, vemos São Luis da França, o rei católico com sua coroa com flores de lis (símbolo da monarquia francesa). 



No centro, vestida de vermelho, vemos Santa Maria Madalena com seu vaso de perfumes (com o qual ela limpou as feridas de Cristo).


No canto direito vemos Santa Catarina de Alexandria (com a roda de seu martírio) e ao seu lado Santa Inês segurando um pequeno cordeiro. 



Acima delas está São Lourenço com a grelha do seu martírio (segundo a lenda ele teria dito aos soldados que o castigavam “Está bem assado desse lado, podem me virar”).



Mas notamos que apesar da quantidade de personagens, Fra Angelico os dispôs de forma ordenada e calculada ao redor da escadaria de mármore colorido. Para sugerir a distância o pintor faz os personagens do primeiro plano de tamanho maior do que aqueles do fundo. É claro que pode parecer aos nossos olhos modernos, algo muito óbvio, pois conforme os objetos ficam distantes de nós, eles ficam “menores”, correto? Mas a medida perfeita entre os tamanhos dos personagens e objetos, e a distância que eles deveriam representar na pintura, foi algo conquistado através dos séculos, através de muitas tentativas e erros. 


Podemos notar que Fra Angelico usa esse novo conhecimento, porém um olhar mais atento nos mostra que ele ainda não atingiu a perfeição matemática daqueles pintores que viriam depois dele. Porém, apesar de não corresponder à perfeição matemática, Fra Angelico é muito perspicaz na utilização das cores e na criação de inúmeros pequenos detalhes que dão vida a esse episódio festivo da vida de Maria.

Além da variação no tamanho dos personagens, Fra Angelico aplica aqui as teorias da Perspectiva Linear, que consiste em linhas de fuga que convergem para um ponto central. Esse ponto geralmente é posicionado na linha do horizonte, e é para ele que são direcionadas as principais linhas da composição. E é a partir desse cruzamento de linhas que é criada a ilusão de profundidade. Observem como aqui as linhas dos azulejos do solo convergem para um ponto situado logo acima do vaso de perfumes da Santa Maria Madalena. Essas linhas estão inscritas dentro de uma composição em forma de pirâmide: no topo o trono celestial e a base formada pelos santos do primeiro plano.  Através desses elementos, Fra Angelico cria uma composição que faz ascender o nosso olhar até o trono onde Maria é coroada.




Apesar de as regras da perspectiva estarem apenas se formando na época de Fra Angelico, esse pintor nos revela através da composição bem pensada em linhas e cores, o mundo celeste ao qual pertencem os santos e anjos. Vamos nos colocar no lugar das pessoas de 1432 que vinham admirar esse retábulo no altar da igreja, iluminado apenas pela diáfana luz solar e pelas velas que faziam cintilar o ouro dos detalhes da imagem.  Certamente para os fiéis de 1432 a os anjos e santos pareceriam quase de mover em louvores à Virgem Maria. Fra Angelico parece nos mostrar como o Paraíso deve ser, e faz os fiéis desejarem também subirem os degraus multicoloridos que levam à Graça e à Paz de Deus.

Guido di Pietro conhecido como FRA ANGELICO
A Coroação da Virgem
1430 – 1432
Museu do Louvre – Paris
Óleo sobre tela. - 2,09 x 2,06 m.

Para ver de perto o quão precioso é esse quadro, vá até o Salão Carré no primeiro andar do Museu do Louvre.

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